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IDENTIDADE





É estranho estarmos rodeados de um ambiente que conhecemos mas que de alguma forma parece não se ajustar às nossas necessidades. Como uma roupa demasiado folgada ou que tenha encolhido por termos crescido. A casa de meus pais significava a protecção, o ninho, mas também a corrente que me prendía a hábitos dos quais perdera a noção. Alimentar, dormir, sorrir perante outros parecíam-me conceitos abstractos que esquecera enquanto vivera sózinho. Todo o ritual da sociedade me escravizava e me tirava a identidade que eu buscava na escrita. Pedíam-me responsabilidade, um emprego das 9h às 5h, familia, herdeiros e eu só quería saber porque me sentía sempre um perdedor sem saber do quê. E quanto mais pensava menos me lembrava.

AO CHEGAR


Regressar significa voltar ao ponto de partida. Ou não. Na verdade, regressar é um conceito matemático e não se adapta à vivência; Na verdade, eu não sabía disso e tomei como lógico o convencimento de que ao retornar a casa de meus pais -e minha- encontraría tudo como deixara. Tudo, menos eu, mais velho, mais maduro, mais conhecedor da vida. Foi exactamente nesse chegar que me apercebi com surpresa, com tristeza, com pesar que essa linha matemática a que nos agarramos para tomar o caminho de casa vai dar a um novelo que se embaraçou na ausência.
Todos os pormenores que reavivei na memória dos sentidos e me deixaram feliz pelo tempo da viagem tinham permanecido intactos, mas apenas na forma como eu os tinha adquirido e guardado. A realidade era bem outra: Os meus pais tinham envelhecido, a casa tinha uma disposição diferente e o meu cão partira já à procura das suas portas (Não foi, cão?). A rapariga por quem permanecera apaixonado platonicamente era agora uma mãe e o meu melhor amigo um homem que esquecera os sonhos.

SAUDADES


Armazenamos informações nos mesmos recipientes da dor, emoção, medo, alegria. Atiramos com tudo cá para dentro e deixamos processar ao ritmo da necessidade do uso. Por isso quando a saudade chamou achei-me incapaz de saber o que era. Naquele tempo, claro. A dor no peito, o regurgitar contínuo de sons e paladares, uma inevitável comparação entre a casa deixada e a vivência ao tempo. Que perdera eu que me deixava tão angustiado e perdido da realidade e que me dava conforto na pouca de tristeza que por vezes me inundava? Tentava lembrar-me à força de coisas que não experimentara. Achava eu, claro. Que o caminho feito já havía sido palmilhado, noutro tempo, noutras léguas. Soberana, a memória suspirou saudades e regressei a casa, contente como me sentira em menino.

O CAMINHO DA VIDA


O tempo afaga tudo, mais ainda quando não se recorda que já antes se passara por aí, numa repetição de intenções e deixar caír. Não se aprende porque não se lembra, não se evita porque se acredita na inovação. Aos poucos guardei a imagem dela para os dias tristes e solitários e permiti-me sentir por mim outras manifestações no gostar de outras mulheres. Umas mais, outras apenas um sorriso. O apelo do regresso a casa pendía tanto quanto a descoberta dos mundos, fossem lugares, fossem gente. É neste ponto que achamos que as comparações deixam de fazer sentido. Elas hão-de chegar e ter o relevo que ganharam por mérito próprio: Chamamos-lhes experiência de vida, amadurecimento. E nesse ponto até se exclama que nada mais surpreende, somos adultos, vividos. Só não sabía que era feito de repetições, de portas que se abrem para outras portas. Porque só agora é que ganhei a chave e sei como usá-la.

DE DEGRAU EM DEGRAU



Aos vinte temos uma capacidade monumental de achar que onde pisamos é nosso. Porém, não me detinha nos sitios onde passava quase de raspão. Havía uma permanente ansiedade, o meu nome a ser gritado ao longe a chamar-me para onde não estava. Era quase feliz ao chegar, inquietava-me rápido a partida. Agora e só agora, compreendo que as experiências passadas me avisavam e de quando em vez surgíam clarões na minha memória e não os entendendo, escrevía sobre eles, apelidava-os de ficção, inspiração, arte. Larguei a poética, dediquei-me fervorosamente a um diário de viagens e de pessoas. O narrador era o meu amigo imaginário. Era assim que se conquistava o crescimento, com dores nos pés, com saudades na alma, com perguntas mudas como estaría ela, que faría ela naquele instante em que eu de mão na água agitava o mar em círculos pequenos, esperançado que ela os visse no sinuoso do rio do outro lado do mundo.

PARTIR


Fiz-me ao mundo. Ou talvez o mundo tivesse algures o coração que eu deixava para trás, para outro e também o outro que de mim se descolava como uma pele morta. Por agora não quería saber de palavras, de poemas e nem mesmo do meu amigo imaginário. Eu era demasiado novo para saber que o passado não se larga e guarda para quando apetecer voltarmos a ele. Outros apelos, outros sonhos chamavam pela recordação do que eu desconhecía ser coisa já vivida e ingénuo enganava-me na partida pelo achamento de respostas àquilo que era. Partía de um amor perdido, de mim e das perguntas que não conseguía suster. À despedida o cão olhou-me, pareceu-me vê-lo chorar.

A TRISTEZA



Naquele dia ruiu tudo, o meu mundo despedaçou-se até ao pó, as letras, as emoções, até mesmo o laço da amizade, tudo se desfez. A minha princesa e o meu maior amigo uníam-se para além do nosso triângulo, beijavam-se e prometíam em juras solenes o que o homem não pode desatar. Olhei-a e quase tive a coragem de lhe pedir para não ir para outro, olhei-o e vi como era ser feliz.Naquele dia experimentei na boca um gosto que me parecía já conhecer, e no entanto, perguntava-me de onde, que veneno igual podería ter o mesmo paladar inesquecível para o recordar tão fortemente. Sinto-o. Sinto-o agora e aqui, tão fortemente condimentado. Chama-se tristeza e sei tão bem ao que sabe. Porque só agora tenho a capacidade de saber que devería ter feito a minha vida, nesse mesmo dia, de outra forma e tudo sería diferente no seu replicar.

AS PALAVRAS QUE NÃO SE CONTAM


A timidez obrigava-me a esconder as palavras escritas, os poemas arrojados pelos amores que falhados na imaginação ganhavam o dinamismo que a minha vida morna parecía não possuír. As raparigas vinham e íam, aquela porém, a minha princesa mantinha o estatuto de amiga especial e não ía além disso. Com o meu outro amigo formávamos um trio, confiavamo-nos como a nós mesmos, mas eu, profundamente apaixonado, escondía deles o que me atormentava e enchía de felicidade. Era nesses pontos extremados que melhor escrevía, uma produção desenfreada pelas emoções que durante o dia calcava fundo e no papel era tudo tão mais fácil. Eu formulava as perguntas e fornecía as respostas. Como se as soubesse desde sempre, como se algo na minha mente as revelasse limpídas. Mas nesse tempo eu não podería saber o que já sabía, não é?