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TRÍPTICO


Plantar uma árvore, escrever um livro, ter um filho. Da casa fiz o império que precisava para me sentir ligado à terra, ser homem de um País. Talvez não tenha escrito o melhor livro, mas fi-lo com aquilo que sabía e com o sentimento justo de quem presta homenagem a quem tanto me ajudara desde a infância. O meu amigo secreto foi a mão que me guiou ao longo de muitas páginas e onde voltei a fazer os passos que caminharamos juntos. Mas foi também a descoberta de que o meu filho havía sido esse amigo imaginário. Agora, sentir-lhe a mão para além das minhas invenções nas noites de trovoada em que me socorría dele para tapar os medos, era ter a responsabilidade de lhe apresentar o mundo, contar-lhe que de quando em vez lembrava-me de coisas que parecía não ter vivido como se me sentisse espectador de um peça em que sabía o enredo mas esperava poder alterar o desfecho. E ele entendía-me, olhava-me de olhos muito abertos e entendía-me.

LEGADOS DA MEMÓRIA



O nosso legado é um liquido que tentamos que se embeba em quem vem a seguir. Queremos desaguar de nós todos os rios e mares que nos correm nas veias, no pensamento e na justificação de quem somos. Fazemo-nos semi-deuses nessa criação do novo oceano e esperamos que um dia ele faça o mesmo. Esta projecção mais não é do que relembrar outras vivências, uma espécie de tatuagem invisivel que cremos quem virá no depois, terá como marca de nascença. Nada mais errado... Mas nesse tempo, nesse espaço, estava-me vedada a memória para esses planaltos e quanto mais os anos passavam mais dura e impermeável se tornava a capacidade de lembrar o que já tinha sido. De quando em vez uns clarões trazíam-me imagens que não entendía, mas ao olhar o meu filho justificava-me para a sua semelhança com o que eu havía experimentado na infância e sossegava o meu coração dizendo-me baixinho és assim porque vieste de mim...

O CICLO



Há coisas que não se esquecem, os anos e as vidas e os renasceres voltam e vão e a memória desse momento fica gravada como um canivete na madeira. Agora era a minha vez de ser em vez de chamar, a vez de ter respostas ao invés de formular dúvidas. Como é que se faz para se ser pai? Onde é que o meu pai tinha aprendido a ser? Tantas perguntas... Como um raio que me abriu a meio tive a imagem da regressão até ao dia em que abri os olhos e me perguntei quem eram aqueles que me sorríam para o berço. Adivinhava como sería o olhar daquele que me tinha sido destinado como filho e na tentativa de achar certezas percorri as galerias da mente, devagar, ao ritmo do ventre da mulher que amava crescer como o fermento da imaginação.

GEOMETRIAS



Tudo. Foi quanto entreguei a este amor e tanto igual assim recebi. Uma construção vagarosa, sólida, plena de decisões e de desejos. Pela primeira vez não tive hesitações, não me calei a um canto nem fiz perguntas sobre o que continuadamente devería lembrar e não conseguía. Pelo contrário, a resposta era este amor por descobrir que me entravava a memória. A poesia voltou, mas o tom doloroso e fechado deu lugar a paisagens calmas em que a personagem unía as mãos às da sua musa. Descobri que os textos jornalisticos me trazíam um sabor tão requintado quanto a vivência experimentada dos dias a correrem sem prazos nem idade. Fui promovido. Mas a tarefa mais árdua estava para chegar.

SINFONIAS


A descoberta do mundo novo não é feita só por mares nem por terra que se abre a golpes de faca e tão pouco nos ares que trazem a trovoada. Esse achamento começa em nós mesmos, cá por dentro, num sitio escuro, recôndito e bem pequenino. Como é que se faz para chegar lá? Não sei. Mil vidas terei de passar e no entanto nada posso garantir de que tenha aprendido a chegar a esse local tão especial. Mas sei que apaixonar-me, sentir amor pôs-me directamente nesse mundo novo adormecido à espera de mim. Ou dela, de nós. A partir daí tudo foi diferente. Não é mentira que tudo se dimensiona, acresce, se perfuma, se enche de sons mágicos regidos por um maestro afinado a dois tons. Inesquecível. Se fechar os olhos, agora mesmo e aqui ainda ouço os acordes, ainda sei o que se sente quando se é feliz.

ENAMORAR



Não foi porque o coração ainda estava fresco da dor e permeável ao que chegasse. Nem foi porque de alguma forma o amor da menina-mulher merecía o luto terminado. Também não foi por causa de sexo, mulheres, companhia até ao pequeno-almoço. Nem a solidão pura, aquela de canto que nos encosta acocorados. Ou tão pouco o querer debater invisibilidades por Dulcineias imaginadas nas folhas que escrevía... Ou ser filho sem pai que quisesse ser pai com filho. Ou distraído o amor me agarrasse. Um amor grande e novo e no entanto tão tranquilo e apaziguador que sarasse as dúvidas, os receios, a fuga. Não, não foi por nada disto que me apaixonei por aquela mulher que apareceu... Tudo isto disse-o para mim, naqueles dias em que achava que era importante haver uma resposta para cada pergunta. E é, sem dúvida. Mas aqui, de onde vos falo, asseguro-vos que o principal é haver sempre perguntas a fazer.